
Como o James Webb Enxerga o Invisível?
Entenda, passo a passo, como funciona a captura de imagens em infravermelho e como o Telescópio Espacial James Webb (JWST) transforma radiação invisível em fotografias detalhadas do universo.
NOTICIASASTRONOMIA


O infravermelho é um tipo de luz que não conseguimos ver a olho nu, mas que sentimos como calor. Por exemplo, quando você coloca a mão perto de uma chama ou do sol, está sentindo radiação infravermelha. No espaço, estrelas, planetas e até nuvens de poeira emitem esse tipo de radiação, mesmo quando parecem invisíveis na luz comum. É por isso que telescópios como o James Webb usam detectores infravermelhos: eles conseguem enxergar o que está escondido atrás da poeira cósmica e revelar partes do universo que nunca vimos antes.
Infravermelho de forma simples:
O que é imagem em infravermelho (IR)
A luz infravermelha é radiação eletromagnética com comprimentos de onda maiores do que a luz visível. Em termos práticos:
Próximo do infravermelho (NIR, ~0,6–5 μm): ainda é luz refletida/emitida por objetos “frios”, muito útil para atravessar nuvens de poeira e observar estrelas recém-nascidas e galáxias distantes cuja luz visível foi “esticada” (redshift) para o IR.
Médio a longo infravermelho (MIR/LWIR, ~5–28+ μm): registra emissão térmica — calor — de poeira aquecida, moléculas e planetas.
A imagem abaixo ilustra a diferença entre visível e infravermelho térmico: à esquerda, um saco plástico preto é opaco; à direita, na câmera térmica, o saco se torna parcialmente transparente e vemos o calor das mãos. Isso ocorre porque muitos materiais que bloqueiam a luz visível deixam o infravermelho passar. No espaço, o mesmo princípio permite ao JWST “ver através” da poeira que oculta o interior de nebulosas e o núcleo de galáxias.


No visível o plástico é opaco; no infravermelho térmico, torna-se parcialmente transparente, revelando calor. O JWST aplica o mesmo princípio para atravessar poeira cósmica.
Por que um telescópio espacial para o IR (infravermelho)?
A atmosfera terrestre contém vapor d’água e CO₂ que absorvem grande parte do infravermelho, além de emitir calor que “ofusca” sinais fracos. O JWST opera no ponto L2 (a ~1,5 milhão de km), protegido por um escudo solar de 5 camadas que o resfria passivamente para ~40–45 K. Assim, o próprio telescópio não brilha no infravermelho que está tentando medir.
Para o médio infravermelho, o instrumento MIRI precisa estar ainda mais frio: ~7 K (criocooler dedicado). Sem esse resfriamento extremo, o ruído térmico soterraria os sinais de galáxias fracas e moléculas em exoplanetas.


O “kit” do James Webb: como ele enxerga o universo
O Telescópio Espacial James Webb (JWST) é como um enorme olho voltado para o cosmos. Seu espelho principal mede 6,5 metros de diâmetro e é formado por 18 pedaços hexagonais de metal chamados segmentos, feitos de berílio e cobertos por uma camada de ouro. Esse tamanho impressionante é o que permite ao Webb ter uma visão extremamente nítida do espaço, porque quanto maior o espelho, mais detalhes ele consegue captar.
Esses 18 pedaços funcionam como um único espelho graças a pequenos motores de altíssima precisão, que ajustam constantemente o alinhamento de cada segmento para garantir imagens perfeitas.
Como o Webb capta a luz
Diferente das câmeras comuns, o Webb não vê cores diretamente. Ele usa detectores especiais que registram a luz no infravermelho, uma faixa invisível para nossos olhos, mas essencial para estudar o universo. Essa luz é dividida em duas partes principais:
Infravermelho próximo (0,6–5 μm): captado pelos instrumentos NIRCam, NIRSpec e NIRISS.
Infravermelho médio (5–28 μm): captado pelo instrumento MIRI, que precisa ser resfriado a apenas 7 Kelvin (quase -266 °C!).
Cada foto é feita em preto e branco com filtros que isolam diferentes comprimentos de onda. Depois, os cientistas combinam essas imagens para criar as fotos coloridas que vemos divulgadas pela NASA.
Os instrumentos científicos
O Webb é equipado com “ferramentas” que vão além de fotografar o universo:
NIRCam: a câmera principal, usada para imagens super detalhadas do universo distante. Também consegue bloquear a luz de estrelas para revelar planetas próximos a elas.
NIRSpec: funciona como um “dissecador de luz”, separando-a em espectros. Ele pode observar centenas de objetos ao mesmo tempo, revelando sua composição química e movimento.
NIRISS/FGS: ajuda a manter o telescópio extremamente estável e também estuda trânsitos de exoplanetas, ou seja, quando eles passam na frente de suas estrelas.
MIRI: observa no infravermelho médio e é essencial para investigar poeira, gelo e moléculas em regiões onde estrelas e planetas estão se formando.
Esse conjunto de espelhos e instrumentos é o que torna o James Webb capaz de enxergar tão longe no tempo e no espaço, mostrando desde as primeiras galáxias até detalhes de planetas fora do nosso sistema solar.


Do alvo à imagem final: como o JWST produz suas fotos
Planejamento: os cientistas decidem quais filtros usar, quanto tempo o telescópio vai observar e se será necessário montar mosaicos (várias imagens juntas para formar uma maior).
Apontamento e estabilidade: o telescópio usa estrelas de referência para se manter fixo. Isso garante que ele consiga tirar fotos muito longas sem borrões.
Coleta da luz: os detectores registram a quantidade de luz infravermelha recebida. Para ter maior precisão, várias imagens são tiradas em sequência.
Calibração: o sistema corrige pequenas falhas dos sensores, como pixels defeituosos e distorções.
Combinação das imagens: as fotos são alinhadas e somadas digitalmente, aumentando a nitidez e o nível de detalhe.
Colorização: cada imagem é feita em preto e branco. Depois, os cientistas atribuem cores de forma representativa, de acordo com o comprimento de onda da luz. O resultado não é uma “foto em cores reais”, mas sim uma tradução científica do que está sendo visto.
Análise final: os dados podem ser imagens ou espectros (um gráfico que mostra a intensidade da luz em cada comprimento de onda). Isso revela composição química, temperatura e estrutura dos objetos estudados.
O que o JWST mostra que os olhos não veem
Atravessando a poeira: no infravermelho, o telescópio consegue enxergar dentro de nebulosas que seriam opacas no visível, revelando estrelas em formação e discos de planetas jovens.
O universo primordial: galáxias muito distantes aparecem no infravermelho porque sua luz foi esticada pela expansão do cosmos. Sem esse recurso, seriam invisíveis.
Exoplanetas: ao observar trânsitos (quando um planeta passa na frente de sua estrela), o JWST detecta moléculas como água e dióxido de carbono em suas atmosferas.
Galáxias ativas: o telescópio identifica poeira aquecida e moléculas complexas associadas à formação de estrelas.
Por que as estrelas têm “espículas” nas fotos?
Aquelas pontas em forma de agulha ao redor das estrelas são causadas pela forma do espelho do telescópio. Não são enfeites ou erros, mas padrões de difração que até ajudam os cientistas a verificar o alinhamento do instrumento.
Perguntas comuns
O Webb tira fotos coloridas diretamente?
Não. Cada imagem é feita em preto e branco com diferentes filtros. As cores são adicionadas depois para representar a física da luz observada.Ele vê calor como uma câmera de segurança?
De certa forma sim, mas em uma escala muito diferente. O JWST detecta calor de objetos extremamente frios e distantes, por isso precisa operar quase na mesma temperatura do espaço profundo.Por que ele é tão grande?
Quanto maior o espelho, mais nítidas as imagens. Como a luz infravermelha tem comprimento de onda maior que a luz visível, é preciso um telescópio bem grande (6,5 m) para alcançar o mesmo nível de detalhe.
Resumindo em uma frase
O JWST transforma luz infravermelha — invisível para nós, mas cheia de informações sobre poeira, moléculas e galáxias distantes — em imagens e gráficos que revelam o que o olho humano jamais poderia ver.



