
Marte Ainda Guarda Seus Oceanos? Nova Pesquisa Sugere Reservatórios Subterrâneos de Água Líquida
Estudo recente propõe que Marte pode armazenar água líquida em aquíferos profundos formados por infiltração milenar, revelando uma nova dimensão do ciclo hidrológico marciano e reforçando as esperanças na busca por vida.
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Marte: Um Mundo Aparentemente Seco, Mas Geologicamente Molhado
Por muito tempo, os cientistas aceitaram a ideia de que Marte havia perdido a maior parte de sua água há bilhões de anos. A explicação mais comum se baseava em sua atmosfera rarefeita, incapaz de manter a pressão necessária para que a água permanecesse líquida na superfície. Contudo, dados recentes desafiam essa visão simplificada.
Um novo estudo, liderado por Jacob Buffo da Universidade do Texas, propõe que Marte pode não apenas ter armazenado água após sua perda superficial, mas que essa água pode ainda existir em forma líquida, profundamente confinada no subsolo. Publicado na Geophysical Research Letters, o trabalho explora o papel da infiltração — um processo essencial na Terra — como mecanismo dominante no armazenamento de água em Marte primitivo.
O Modelo da Infiltração e os Aquíferos Marcianos
No centro do estudo está uma simulação detalhada dos fluxos de água sob diferentes condições ambientais, como temperatura, porosidade da crosta e presença de gelo. Buffo e sua equipe descobriram que, após eventos de fluxo superficial (como aqueles causados por chuvas ou derretimento de gelo no passado de Marte), a água teria permeado o solo, infiltrando-se até profundidades de dezenas ou centenas de metros.
Essa água poderia ter se acumulado em poros e fraturas, congelado lentamente, ou — sob as condições certas de salinidade e pressão — permanecido líquida até hoje. O estudo considera ainda que esse processo teria sido amplificado em Marte por sua gravidade mais fraca e pela ausência de atividade tectônica significativa, o que favorece a preservação de estruturas subterrâneas por longos períodos geológicos.
Corroborando Evidências Orbitais
Essas inferências teóricas se somam a observações já realizadas por instrumentos em órbita. Em 2018, a missão Mars Express, da Agência Espacial Europeia (ESA), detectou fortes sinais de reflexão radar sob a calota polar sul de Marte, sugerindo a presença de lagos subterrâneos salinos a 1,5 km de profundidade.
Embora o achado tenha gerado debates — alguns cientistas sugerem que os sinais poderiam ser explicados por argilas ou sais —, o novo modelo de Buffo fornece uma base física plausível para a formação e manutenção desses reservatórios.
Implicações para Astrobiologia e Exploração Humana
A possibilidade de água líquida em Marte é altamente significativa. Em termos astrobiológicos, ambientes subterrâneos são os locais mais promissores para a existência de vida marciana. Eles oferecem proteção contra a intensa radiação cósmica e temperaturas extremas da superfície, além de manter condições relativamente estáveis.
Se há bolsões de água salina, eles podem abrigar microrganismos semelhantes aos extremófilos encontrados em ambientes terrestres, como os lagos subglaciais da Antártida ou os depósitos salinos de desertos hipersecos.
Além disso, para a exploração humana, identificar e acessar fontes de água será crucial para missões de longa duração. Água não é apenas vital para consumo humano: pode ser convertida em oxigênio respirável e hidrogênio para combustível, reduzindo a dependência de suprimentos terrestres — um conceito central da chamada ISRU (Utilização de Recursos In Situ).
Desafios Técnicos: Como Confirmar?
Apesar da robustez dos modelos e das indicações indiretas, ainda não há confirmação direta da existência de água líquida subterrânea em Marte. Isso exigirá missões capazes de penetrar abaixo da superfície — algo extremamente desafiador devido à dureza e à baixa condutividade térmica do regolito marciano.
Soluções possíveis incluem sistemas de perfuração criogênicos, penetrometria com calor controlado, ou até o uso de cargas explosivas controladas para expor camadas internas (como já sugerido para a Lua). Tais missões exigirão inovação tecnológica e preparação cuidadosa, mas estão no horizonte das próximas décadas.
Conclusão: Um Ciclo Hidrológico Subterrâneo?
O trabalho de Buffo e colegas redefine a forma como pensamos sobre a água em Marte. Longe de ter desaparecido completamente, a água pode ter simplesmente migrado para onde não conseguimos ver — sob a superfície, aprisionada em reservatórios que ecoam os antigos oceanos do planeta.
Se confirmadas, essas hipóteses consolidariam a noção de que Marte não é um deserto morto, mas sim um mundo geologicamente dinâmico, com um ciclo hidrológico oculto. Um ciclo que pode ter protegido — ou até mesmo sustentado — formas primitivas de vida por bilhões de anos.
Para os cientistas e exploradores, isso significa que há ainda muito a descobrir — e que, sob as camadas secas e frias de Marte, pode existir um passado (e talvez um presente) aquático à espera de ser revelado.
Fontes:
Esta figura mostra as taxas de infiltração de água em dois cenários. O painel superior representa uma crosta homogênea com condutividade hidráulica uniforme; o painel inferior representa uma crosta heterogênea com decaimento de lei de potência na porosidade e permeabilidade. Cores mais quentes representam taxas de infiltração mais rápidas, próximas a 50 anos, enquanto a cor mais fria representa um período de 200 anos. Crédito da imagem: Shadab et al. 2025, Geophysical Research Letters.

